Tiago, filho de Alfeu, em desconforto,
No desapontamento que o
invade,
Antes que se rompesse a
tempestade
Prestes a desabar sobre
Jerusalém,
Foi ver o Cristo morto.
O vento escorraçava a
multidão,
Que descia tangida à
chibatas de pó;
Vendo o topo do monte
quase sem ninguém,
Sob certo disfarce, o
aprendiz de Jesus
Subiu, ansioso e só,
E falou para o Mestre,
aos pés da cruz:
-Por que morrer assim,
Jesus, se as profecias
De nossas tradições e
de nossas memórias,
Falam de ti no Reino
que previas,
Na condição de rei,
cercado de vitórias?
O povo te saudou por
Príncipe Perfeito,
Alto libertador da
Terra Prometida...
Por que não
combateste, ao menos, por respeito
Aos que disseste amar
nas agruras da vida?
Perdoa-me, Senhor, a
repulsa que tenho,
Nada vejo que a fé nos
recomponha...
Ai de nós que
ficamos!... Este lenho
Para sempre, será
nossa própria vergonha...
O apóstolo pausara,
cismarento,
Mas do próprio
madeiro,
Varando o ribombar do
firmamento,
Veio, em amargo acento,
A voz de um Mensageiro,
Dos muitos que velavam,
na hora extrema,
Pela paz do Divino
Companheiro:
-Silencia, Tiago!... O
reino que esperavas
É o mesmo desta hora
em que se escuta
O terrível clamor de
sofrimentos e luta
Das vastas multidões
das almas escravas...
De que vitórias falas?
As da guerra?
Da pilhagem no sangue
em que se alaga?
Da púrpura dos reis
que refulge e se apaga,
Ante a cinza dos
túmulos da Terra?
Jesus não trouxe ao
mundo o império da opressão
E sim a luz do Reino
Superior
De verdade e de paz, de
esperança e de amor,
Alto Reino de Deus que
deve se elevar
De nosso coração!...
Emudecera a voz, mas o
apóstolo aflito
Voltou a perguntar:
-Então Jesus, o Ungido
dos Ungidos,
Não veio proclamar
A terra em que nasci
por nação de escolhidos?!...
O Emissário, porém,
clamou da cruz, em tom profundo:
-Tiago, não te dês a
preconceitos vãos,
Todo povo é de Deus,
nos caminhos do mundo,
Todos somos irmãos!...
Todos somos irmãos!...
O aguaceiro no céu, a
jorros se destampa...
O apóstolo descia,
pensativo,
Mas, na última rampa,
Encontra um pobre homem
morto-vivo...
É um mendigo estirado,
ao pé do morro,
A rogar por socorro...
Está febril, cansado,
espancado e ferido.
Tiago enxerga nele um
farrapo sangrento
E refletiu, de si para
consigo:
-Será este, meu Deus,
o divino momento
De compreender Jesus?
Inquieto e
surpreendido,
A sentir-se, por
dentro, em nova luz,
Toma o desconhecido
E, a carregá-lo nos
seus próprios braços,
Registra estranha força
a sustentar-lhe os passos...
Lembra a história do
Bom Samaritano
E, na grandeza do seu
gesto humano,
Leva o infeliz a
humilde hospedaria...
Na rua, a tempestade
atroava e rugia...
O apóstolo recorda o
Cristo entre os doentes,
Desolados, sozinhos,
maltrapilhos,
Que tratava por filhos,
Entre afagos e zelos
permanentes...
Em seguida, contempla,
enternecido,
Aquele companheiro
anônimo e vencido;
Limpa-lhe o corpo em
chaga e oferece-lhe um leito,
De inesperado amor
inflama-se-lhe o peito...
Nessa transformação,
Abraça-se ao pedinte
por irmão!...
Lá fora, o temporal
estrugia, violento,
Apedrejando a Terra,
entre os uivos do vento!...
Tiago se rendera à
extrema compaixão...
Tocado de alegria
excelsa e rara,
Sentiu, dentro do
próprio coração,
Que a construção do
Reino começara...
XAVIER,
Francisco C. (Espírito Maria Dolores). Alma e Vida. 1.ed. São
Paulo: Cultura Espírita União (C.E.U.), 1984. p.67-70.
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