Reflexões espíritas sobre a Tragédia de Santa Maria
A tragédia de Santa Maria me leva a algumas reflexões que considero importantes para o movimento espírita.
Recentemente participei de uma banca de
doutorado na Universidade Metodista, em que o pesquisador José Carlos
Rodrigues, examinou em ampla investigação de campo quais os principais
motivos de “conversão”, eu diria, “migração” para o espiritismo, no
Brasil. Ganhou disparado a “resposta racional” que a doutrina oferece
para os problemas existenciais.
De fato, essa é grande novidade do
espiritismo no domínio da espiritualidade: introduzir um parâmetro de
racionalidade e distanciar-se dos mistérios insondáveis, que as
religiões sempre mantiveram intactos e impenetráveis, sobretudo o
mistério da morte.
Entretanto, essa racionalidade, que era
realmente a proposta de Kardec, tem sido barateada em nosso meio, como
tudo o mais, para tornar-se uma cartilha de respostinhas simples,
fechadas e dogmáticas, que os adeptos retiram das mangas sempre que
necessário, de maneira triunfante e apressada, muitas vezes, sem
respeito pela dor do próximo e sem respeito pelas convicções do outro.
Explico-me.
Por exemplo: existe na Filosofia espírita
uma leitura de mundo de “causa e efeito”, que traduziram como “lei do
karma”, conceito que vem do hinduísmo. Essa ideia é de que nossas ações
presentes geram resultados, que colheremos mais adiante ou que nossas
dores presentes podem ser explicadas à luz de nossas ações passadas. Mas
há muitas variáveis nesse processo: por exemplo, estamos sempre agindo e
portanto, sempre temos o poder de modificar efeitos do passado; as
dores nem sempre são efeitos do passado, mas sempre são motivos de
aprendizado. O sofrimento no mundo resulta das mais variadas causas: má
organização social, egoísmo humano, imprevidência… Estamos num mundo de
precário grau evolutivo, onde a dor é nossa mestra, companheira e o que
muitas vezes entendemos como “punição” é aprendizado de evolução.
O assunto é complexo e pretendo escrever
mais profundamente sobre isso. Aqui, apenas gostaria de afirmar que nós
espíritas, temos sim algumas respostas racionais, mas elas são genéricas
e não podem servir como camisas de força para toda a realidade. Que
respostas baseadas em evidências e pesquisas temos, por exemplo, para
essas famílias enlutadas com a tragédia de Santa Maria?
• que a morte não existe e que esses jovens continuam a viver e que poderão mais dia, menos dia, dar notícias de suas condições;
• que a morte traumática deixa marcas para quem fica e para quem foi e que todos precisam de amparo e oração;
• que o sofrimento deve ter algum significado existencial, que cada um precisa descobrir e transformá-lo em motivo de ascensão…
• que a fé, o contato com a Espiritualidade, seja ela qual for, dá forças ao indivíduo, para superar um trauma dessa magnitude.
Não podemos afirmar por que esses jovens
morreram. Não devemos oferecer uma explicação pronta, acabada, porque
não temos esses dados. Os espíritas devem se conformar com essa
impotência momentânea: não alcançamos todas as variáveis de um fato como
esse, para podermos oferecer uma explicação definitiva. Havia processos
da lei de causa e efeito? Provavelmente sim. Houve falha humana, na
segurança? Certamente sim. Qual o significado que essa tragédia terá?
Cada pai, cada mãe, cada familiar, cada pessoa envolvida deverá achar o
seu significado. Alguns talvez terão notícias de algum evento passado
que terá desembocado nesse drama; outros extrairão dessa dor, um motivo
de luta para mais segurança em locais de lazer; outros acharão novos
valores e farão de seu sofrimento uma bandeira para ajudar outros que
estejam no mesmo sofrimento e assim por diante.
Oremos por essas pessoas, ofereçamos
nossas melhores vibrações para os que foram e para os que ficaram e
ainda para os que se fizeram de alguma forma responsáveis por esse
evento trágico. Mas tenhamos delicadeza ao tratar da dor do próximo! Não
ofereçamos respostas fechadas, apressadas, categóricas, deterministas.
Ofereçamos amor, respeito e àqueles que quiserem, um estudo aberto e não
dogmático, da filosofia espírita.
Recebido via e-mail do DECOM da Sociedade Espírita Caminheiros do Bem - NH/RS
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