Uma das histórias mais conhecidas na tradição budista é a de Amrapali.
Dotada de uma beleza invulgar, era uma famosa nagarvadhu.
Na época em que vivia, no VI século a.C., era prática comum na Índia que as mulheres mais bonitas, para não serem causa de invejas e de brigas contantes, não casassem apenas com um homem, mas se tornasse esposa da cidade.
Tal condição nada tinha de humilhante, pelo contrário, era sinônimo de prestígio, pois as nagarvadhu eram frequentemente visitadas por reis, príncipes, generais, ricos, poderosos...
Mesmo tendo uma vida regalada de facilidades e de prazeres, Amrapali seguia melancólica e infeliz. Objeto de cobiça e de desejo de tantos e tantos homens, sabia que jamais tinha sido amada de verdade e que, igualmente, jamais tinha amado alguém. Sentia dentro de si uma sensação de vazio que não conseguia descrever, mas que doía muito.
Num certo dia, quando Amrapali repousava na ampla varanda do seu palacete, na cidade de Vaishali, avistou ao longe um homem que fez de imediato o seu coração pulsar diferente. Sem nem mesmo conhecê-lo, ela apaixonou-se por ele. Levantou, apressada, e foi ao seu encontro.
Era um monge budista, que havia há poucos anos iniciado a sua jornada espiritual, mas que possuía uma presença e um comportamento elevados, sendo discípulo do próprio Buda.
Amrapali, com os olhos em chamas, revelando toda a sua volúpia e intenções, fez a seguinte proposta ao monge:
- Em breve começará a estação das chuvas e eu sei que os monges budistas permanecem no mesmo lugar durante ela. Eu lhe convido para ficar em minha casa!
O monge não se perturbou diante da beleza de Amrapali, e respondeu-lhe, imperturbável:
- Vou comunicar o seu convite ao meu mestre, se ele concordar, virei ficar com você.
Amrapali sorriu e passou a fantasiar os seus desejos.
O monge seguiu o seu caminho até o local em que Buda encontrava-se reunido com os demais seguidores.
Na presença de Buda, tocou-lhe os pés em sinal de respeito e de reverência, passando a contar-lhe o que havia acontecido e o pedido que Amrapali havia feito.
Buda, com acuidade e compreensão, olhou nos olhos do discípulo querido, como a vasculhar as profundezas do seu ser e consentiu que o monge fosse passar os quatro meses da estação chuvosa com Amrapali.
O consentimento de Buda causou furor nos mais de dez mil discípulos que estavam ali reunidos. Embora em silêncio, sem coragem para questionar a decisão do mestre, estavam indignados, pois não conseguiam admitir que um monge pudesse ir viver com uma prostituta.
O monge, do mesmo jeito que chegou, saiu, demandando a residência de Amrapali.
O tempo foi passando e todos os dias, os monges que permaneceram na companhia do mestre, não cansavam de fazer fofocas e mexericos, dizendo que ouviram isto e aquilo a cerca do monge que estava com Amrapali.
Buda, então, falou:
- Não sei por que tanto alvoroço e inquietação. Olhei no fundo dos olhos do meu discípulo e não vi desejo neles. Confio nele...
Mas o falatório e o diz-que-diz-que não pararam.
Com o fim da estação chuvosa, o monge retornou à presença do mestre, tocando-lhe os pés como sempre fazia. Logo empós, apareceu Amrapali, envergando as vestes budistas, tocou os pés de Buda e lhe declarou:
- Tentei de todas as formas seduzir o seu monge, pois o meu peito ardia de desejos por ele. Contudo, eu é que fui seduzida por ele e estou aqui para segui-lo.
Buda ficou satisfeito com o desfecho da história e todos os discípulos que tentaram fazer intrigas sentiram-se envergonhados.
Amrapali achou seu caminho seguindo os princípios budistas. Nunca mais foi a mesma. Abandonou a vida devassa que levava e as suas ilusões. Animada por ideais superiores, curou a dor do vazio que sentia dentro de si, encontrando a plenitude.
Amrapali atingiu a iluminação e a sua história vem sendo narrada ao longo dos séculos, como exemplo vivo do poder que cada um de nós tem para transformar a si mesmo e a vida que leva.
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