“Mesmo se a culpa te infama,
Abraça o bem por crisol.
Embora algemado à lama
O lírio perfuma o sol[1].”
Virgílio Brandão
Nas vivências diárias, em razão da imprudência que ainda nos caracteriza a imaturidade psicológica, é muito comum termos algum pensamento menos feliz, dizermos desavisadamente algo que fira ou melindre a outrem, sermos indelicados no trato com o semelhante, gerenciar mal os relacionamentos, extravasar as paixões, manifestar comportamentos indevidos...
Na maioria das vezes, ato contínuo ao erro ou gravame em que incorremos, damo-nos conta de que não procedemos adequadamente, instalando-se em nosso íntimo um sentimento desagradável, que nos constrange frente ao sucedido, gerando grande inquietude. Este sentimento é a culpa.
Variando em número e grau, o sentimento de culpa pode resultar em pequenos conflitos ou em grandes dramas, muitas vezes transcendendo os limites de espaço e tempo da vida atual, com raízes que se aprofundam em numerosas existências passadas e que se projetam na direção das existências futuras.
Podemos, a rigor, classificar o sentimento de culpa em dois tipos: o primeiro seria decorrente de uma ação intempestiva, na qual não havia a intenção de causar nenhum prejuízo, embora implicando em dano para alguém. É, por exemplo, quando falamos algo no calor de uma conversa que acaba magoando o interlocutor, as vezes uma pessoa muito querida para nós. O segundo tipo, por sua vez, resultaria de uma ação planejada, na qual fica claro o propósito de prejudicar alguém. São os ódios materializados, as vinganças levadas à cabo, as agressões... No primeiro tipo o sentimento de culpa surge quase que de imediato ao fato sucedido, enquanto que no segundo é frequentemente muito tardio.
Independente da gravidade da ação equivocada, quando o sentimento de culpa se manifesta traz consigo uma sensação estranha, difícil de explicar, da qual queremos nos livrar do modo mais rápido possível. Aí é que mora o perigo, pois na ânsia de nos livrarmos da culpa acabamos nos tornando reféns dos chamados mecanismos de defesa do ego.
Alguns passam a projetar a sua culpa entre aqueles com quem dividem a intimidade; outros a reprimem, não querendo admiti-la; inúmeros a racionalizam, na tentativa de justificá-la, mesmo que com motivos desarrazoados; muitos, ainda, se escoram na negativa, fingindo para si mesmos que não há nada de errado, que tudo está bem...
Semelhantes atitudes são alternativas falsas, pois buscam camuflar ou escapar ao problema sem, entretanto, resolvê-lo. O sentimento de culpa segue presente...
Diante de algum erro e do sentimento de culpa que o acompanha, Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, explica que “arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências[2]”.
Depreende-se, desta explicação, que a libertação do sentimento de culpa só se efetivará se atendidos os seguintes pré-requisitos: reconhecer o erro e arrepender-se; encarar o erro de frente e suportar as suas inevitáveis consequências; buscar repará-lo de alguma maneira. Arrependimento, expiação e reparação...
A quadrinha que encabeça esta reflexão, psicografada pelo médium Waldo Vieira, assinada pelo Espírito Virgílio Brandão, poeta cearense que viveu entre 1885 e 1943, sugere apropriadamente qual deve ser a nossa posição ante à culpa. Em harmonia com a proposta kardeciana, ela propõe que, sem desconsiderar nem supervalorizar a culpa, nos fixemos nas tarefas do bem, caminho seguro e certo para a reparação, lembrando-nos que do meio da lama é capaz de surgir o lírio, exalando o seu peculiar perfume.
O mal, portanto, se apaga com o bem...
Na imagem poética, a lama representa os nossos erros e culpas; o lírio, a nós mesmos; e o sol, a Divindade...
Em nossa romagem da Terra para o Céu, sempre em busca de Deus e de nós mesmos, é preciso desabrocharmos, isto é, desenvolvermo-nos plenamente, qual o lírio belo e perfumado, libertando-nos em definitivo dos erros, enganos, ilusões, culpas...
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