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"Eu sou o Colombo da minha alma e diariamente descubro nela novas regiões." | Gibran Khalil Gibran.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

A CONVERSÃO DE AURELIUS.




Era o século IV da Era Cristã. O Império Romano, embora os claros sinais do seu enfraquecimento interno, ainda dominava soberano em toda a orla mediterrânica. De um lado, os chamados povos bárbaros pressionavam os limites recuados dos domínios romanos, ameaçando a seguranças e o poderio do Império; de outro lado, as crenças cristãs rapidamente se espalhavam, colocando em xeque a posição ocupada até então pelo paganismo.
Em meio a estas transformações, nasce Aurelius na periferia do Império, na Numídia, em Tagasta, no ano de 354. Filho de Mônica, que era cristã, e de Patrício, que era pagão, estava destinado a representar, melhor do que ninguém, o fim da Idade Antiga e o início da Idade Média, a queda do Império e do seu Paganismo e a ascensão do Cristianismo.
Vivendo uma dicotomia religiosa em seu lar, Aurelius carregava este conflito consigo, embora não o demonstrasse. A mãe fez todos os esforços que pôde para converter o filho, sem, todavia, obter sucesso de início. Aurelius acaba afastando-se cada vez mais de sua mãe e, igualmente, da fé que ela esposava. Segue para Cartago a fim de estudar e onde, logo após ler Hortensius, de Cícero, apaixona-se pela filosofia, passando a ler avidamente os filósofos antigos, sobretudo os neoplatônicos, como Plotino.
Em Cartago, travou contato com diversas heresias da época, como o docetismo, o monofisismo, o arianismo e o maniqueísmo, que ele acabou abraçando, para infelicidade de sua mãe.
Ainda em Cartago, enamorou-se perdidamente por uma moça chamada Lídia e passou a viver em concubinato com ela. Dessa relação, nasceu o seu único filho, Adeotado.
Tudo isso – o maniqueísmo, o concubinato, o filho não planejado, o afastamento do Cristianismo – desgostava cada vez mais a sua mãe. Mônica, nos arroubos de sua fé, caía em êxtases demorados, nos quais tinha as visões mais diversas. Certa noite, teve um sonho muito lúcido. Viu-se de pé em uma régua de madeira, chorando copiosamente. Do sentido oposto, veio um homem em sua direção e lhe perguntou a causa de tantas lágrimas. Ela então disse que era por causa do filho, rebelde, irresponsável, que estava num caminho equivocado... Mal terminara de dar sua explicação, o homem desapareceu bruscamente e, para sua surpresa, ao olhar para o lado, viu a figura de seu filho sorrindo. Mônica despertou sobressaltada, acreditando na próxima conversão do filho.
Aurelius resolve partir para Milão, onde começa a lecionar retórica. Quis o destino que ele conhecesse um homem extraordinário, Ambrósio, que era o bispo de Milão. Aquele homem o impressionara profundamente. Passou a assistir aos seus sermões e a encantar-se com a beleza transcendental dos ensinamentos cristãos. Após assistir a um dos sermões de Ambrósio, Aurelius passeava por um jardim florido, absorto em seus pensamentos... Sentando-se em um banco para descansar, ouviu um coro de crianças cantando e, ao mesmo tempo, uma voz firme ordenando-lhe em latim: tolle e lege, toma e lê! Ele trazia consigo os Evangelhos e as epístolas do Apóstolo Paulo em forma de pergaminho. Fazendo o que mandara a voz, abriu o rolo ao acaso e leu um trecho de Coríntios que o emocionou às lagrimas. Naquele momento, sob uma interferência espiritual, talvez em virtude das intercessões constantes da mãe, Aurelius se convertia ao Cristianismo, selando para sempre o destino da Civilização Ocidental.
Mônica, que recomendara a seu filho não ir para Milão, ao descobrir que fora mais uma vez desobedecida por Aurelius, decidiu partir em seu encalço, num esforço último para abrigá-lo no seio de sua fé. Ao chegar em Milão, encontra apenas Ambrósio, que lhe consola e lhe dá a notícia alvissareira da sua conversão. Mônica, seguindo os passos do filho, segue na direção de Roma, onde encontra-o. É um encontro momentoso. A mãe e o filho convertido abraçam-se comovidamente e têm um colóquio inolvidável. Mônica diz para Aurelius que sua missão estava agora cumprida e que ela não tardaria em demandar a vida futura, alcançando o Reino de Jesus. A conversão de Aurelius e a reconciliação com sua mãe ocorreram em 387 e, como previra sua mãe, ela abandonara o mundo terreno pouco tempo depois, com a idade de 56 anos.
No entanto, mesmo depois de morta, o seu Espírito continuou acompanhando espiritualmente o filho, dando-lhe conselhos e orientando-o em seus caminhos. Em mais de uma oportunidade, Aurelius encontrou-se com sua mãe, podendo receber seu amor e carinho. O empenho de Mônica para converter o filho e os encontros que tiveram, mesmo depois de sua morte, foram fundamentais para que Aurelius pudesse cumprir sua missão, que ele até então ignorara, da forma mais auspiciosa possível.
Em 391, Aurelius é consagrado, por unanimidade, bispo de Hipona, vindo a sistematizar toda a filosofia e a teologia cristãs, arquitetando o projeto intelectual que o Cristianismo passaria a seguir desde então, tornando-se um dos mais importantes Pais da Igreja.
Algum tempo depois de sua morte, que se deu em 430, foi canonizado como Santo Agostinho.
***
A vida de Santo Agostinho, do berço ao túmulo, foi marcada por diversas manifestações do mundo espiritual.
Não deve ser mero acaso o fato dele ter se tornado quinze séculos depois, no século XIX, quando o Espitismo estava se consolidando, da mesma forma que o Cristianismo na época em que vivera, um dos maiores difusores da nova doutrina. Achando-se à frente da falange do Consolador, do conjunto de Espíritos que atuaram no processo que culminou, depois do labor incomparável de Kardec, na Codificação Espírita, manifestava-se em diversas partes da França e do resto da Europa, através do concurso de um sem número de médiuns, para endossar os ensinos novos que vinham, de algum modo, ressuscitar os ensinos antigos do seu tempo.
Se Santo Agostinho, quando encarnado, compreendia a existência da alma, a sua preexistência e a sua sobrevivência e a possibilidade de comunicação com os mortos, ainda que através de sonhos, que se dirá, então, de Santo Agostinho desencarnado, agora com a visão ampliada ante a Espiritualidade Maior?!
Por isso, nada de estranhar as comunicações deste Espírito serem tão abundantes nas obras básicas do Espiritismo.
Na tentativa de não restar nenhuma dúvida, Allan Kardec escreveu o seguinte:
Dar-se-á venha Santo Agostinho demolir o que edificou? Certamente que não. Como tantos outros, ele vê com os olhos do espírito o que não via enquanto homem. Liberta, sua alma entrevê claridades novas, compreende o que antes não compreendia. Novas idéias lhe revelaram o sentido verdadeiro de algumas sentenças. Na Terra, apre-ciava as coisas de acordo com os conhecimentos que pos-suía; desde que, porém, uma nova luz lhe brilhou, pôde apreciá-las mais judiciosamente. Assim é que teve de aban-donar a crença, que alimentara, nos Espíritos íncubos e súcubos e o anátema que lançara contra a teoria dos antí-podas. Agora que o Cristianismo se lhe mostra em toda a pureza, pode ele, sobre alguns pontos, pensar de modo di-verso do que pensava quando vivo, sem deixar de ser um apóstolo cristão. Pode, sem renegar a sua fé, constituir-se disseminador do Espiritismo, porque vê cumprir-se o que fora predito. Proclamando-o, na atualidade, outra coisa não faz senão conduzir-nos a uma interpretação mais acertada e lógica dos textos. O mesmo ocorre com outros Espíritos que se encontram em posição análoga1”.

1 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 3. ed. (bolso) Brasília, DF: FEB, 1997. página 62.

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