No dia 25 de abril de 1960, o médium Francisco Cândido Xavier, em uma reunião pública da Comunhão Espírita Cristã, localizada na cidade de Uberaba, em Minas Gerais, ante os olhares atentos de dezenas de pessoas, psicografa uma mensagem muito interessante, que vinha assinada pelo seu mentor espiritual, Emmanuel.
De um modo simples e ao mesmo tempo profundo, a mensagem apresenta, em linhas gerais, o processo de formação do Espiritismo, desde as primeiras manifestações mediúnicas, que se renovaram na transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, porquanto as mesmas são verificáveis em todos os tempos e lugares, até o trabalho meticuloso de Allan Kardec que, a partir da observação e da análise destas manifestações, elaborou um sistema doutrinário extremamente complexo que oferece ao ser humano uma visão surpreendente da sua origem, natureza e destinação.
Emmanuel, afirmando que a intervenção espiritual sobre o mundo obedece a uma planejamento bem definido, divide o processo formativo do Espiritismo em três fases principais, expressas no título que deu a sua mensagem: Aviso, chegada e entendimento. Faremos, a seguir, um breve exame de cada uma dessas fases, destacando as características mais importantes.
Primeira Fase – Aviso.
Do surgimento do homem sobre a Terra aos dias atuais, as manifestações mediúnicas ocorreram de forma incessante, em todas as épocas da História, desempenhando um relevante papel no desenvolvimento humano, que ainda não foi compreendido perfeitamente.
A fase que Emmanuel denominou de Aviso, entretanto, estende-se de 1744 até 1844, marcos temporais que correspondem ao ponto culminante da vida de dois homens: Emmanuel Swedenborg e Andrew Jackson Davis, respectivamente. Ambos são apontados como precursores imediatos do Espiritismo. Um e outro são os portadores do aviso quanto a realidade espiritual.
Swedenborg, nascido na Suécia, no século XVIII, foi um grande intelectual, dominando diversas áreas do conhecimento humano, como a engenharia e a teologia. De um momento para outro, desenvolveu poderosas faculdades que lhe colocaram em relação com o mundo espiritual. Passou a enxergar inúmeras entidades espirituais, que se hierarquizavam em graus distintos de virtude e saber, através das quais tomou conhecimento sobre as múltiplas realidades que aguardam o homem após a sua morte.
Pela posição importante desfrutada no cenário político da sociedade de então, ao invés de sofrer algum tipo de perseguição, como ocorrera com outras pessoas dotadas das mesmas faculdades, que chegaram a ser torturadas e mortas, Swedenborg continuou gozando de grande reputação nos meios esclarecidos, chamando a atenção para as suas faculdades e para as esferas invisíveis que nos cercam.
Mas no século XVIII, em quase todo o continente europeu, ainda predominava o absolutismo monárquico e, em alguns países como a França, persistia a divisão da sociedade em estamentos (primeiro, segundo e terceiro estado), herança dos tempos medievais, somando milhões de pessoas que seguiam entre a miséria e o analfabetismo. Nesse contexto, as revelações de Swedenborg não atingiram as massas, ficando circunscritas a um pequeno número de seguidores, no aguardo dos tempos vindouros, em que pudessem ser melhor compreendidas.
Davis, por sua vez, nasceu nos Estados Unidos, no século XIX, mais precisamente em 1826, e, diferentemente de Swedenborg, a sua formação intelectual não foi muito além da alfabetização. Entretanto, desde a infância, sua vida foi assinalada por eventos insólitos, denunciando a intervenção de forças ocultas, como a audição de vozes que lhe davam toda a sorte de conselhos e a visão tanto de seres que eram invisíveis para as demais pessoas, como de acontecimentos que estavam ocorrendo há muitos quilômetros de distância.
Em 1844, Davis tem as experiências mediúnicas mais intensas de toda a sua vida, passando a visualizar, como Swedenborg também o fizera, as múltiplas faixas da realidade espiritual. As suas experiências e as descrições que fez das mesmas tiveram ampla repercussão, chamando a atenção de um grande número de pessoas.
O período compreendido entre 1744 e 1844, coincidindo com as experiências anímicas e mediúnicas vivenciadas por Swedenborg e por Davis, representa o aviso de que a realidade não se restringe ao corpo físico, ao mundo material, preparando o caminho para uma compreensão mais ampla da existência humana, dos seus objetivos e finalidades.
Segunda Fase – Chegada.
O final da década de 40 e o início da década de 50 do século XIX compõem a segunda fase da classificação de Emmanuel, chamada por ele de Chegada. Nesta época, as manifestações mediúnicas se multiplicaram na América e na Europa, numa proporção extraordinária, despertando o interesse geral para o inquietante problema da sobrevivência após a morte, suscitado pelas comunicações daqueles que eram impropriamente tidos por mortos.
O ano de 1848 é considerado o marco inicial dessa fase. É em Hydesville, um pequeno vilarejo do Estado de Nova York, na casa da Família Fox, que acontece a chegada. O Sr. e a Sra. Fox eram fazendeiros e muito religiosos, seguindo uma corrente do Protestantismo. Tinham vários filhos, mas apenas duas meninas ainda moravam com eles, Kate de onze anos e Margaret de catorze. O casal e as filhas levavam uma vida pacata e normal quando estranhos fenômenos passaram a perturbar a ordem doméstica. Pancadas repetidas e sons estranhos, que não se sabia de onde vinham, tornaram-se frequentes, modificando a rotina da família. A situação acabou tornando-se insustentável. Vizinhos acorreram para tentar decifrar o mistério de tais acontecimentos, mas sem sucesso. Pastores foram chamados para explicar a causa das batidas, mas também não obtiveram êxito. Na noite de 31 de março de 1848, diante da intensidade das pancadas, a filha mais nova, Kate Fox, desafiou a força invisível que ali atuava a repetir as batidas que ela dava com os dedos. O pedido de Kate foi atendido, evidenciando uma inteligência atrás daquelas batidas, que era capaz de compreender e se comunicar.
A partir do desafio proposto por Kate, teve início um processo de comunicação rudimentar com aquela força invisível, através das pancadas. Logo se convencionou que uma pancada seria “sim” e duas seria “não” e, em seguida, surgiu a idéia de atrelar o número de pancadas ao número de ordem ocupado por uma determinada letra no alfabeto, o que permitiu a obtenção de respostas mais amplas. Aquela força invisível revelou ser um Espírito, declinou o seu nome, Charles Rosna, esclarecendo que havia sido um mascate, um vendedor ambulante. Ele fora cobrar a dívida de uma compra realizada pelos antigos moradores da casa onde agora os Fox residiam. O casal o acolheu com hospitalidade, mas como não tinham dinheiro para quitar o débito, resolveram assassinar o mascate e enterrar o seu corpo no porão da casa. E foi o que fizeram. O Espírito encontrava-se inconformado pela injustiça que sofrera...
A notícia do que havia ocorrido na casa da Família Fox espalhou-se tão rápido quanto o vento, atraindo uma multidão de curiosos que vinham ver com os próprios olhos e participar do diálogo estabelecido com um morto. O que ocorreu na casa dos Fox generalizou-se de tal forma que de todas as partes do mundo vinham informes de acontecimentos semelhantes. Era a chegada da comunicação direta entre os vivos e os mortos.
As comunicações, todavia, não ficaram restritas às pancadas. Houve uma rápida evolução nos meios de comunicação com o mundo dos mortos: as pancadas e os movimentos de objetos diversos logo deram lugar aos fenômenos da escrita e da voz direta, à materialização dos espíritos, a ponto de poderem ser tocados, à clarividência e clariaudiência, bem como aos processos mais eficientes da psicografia e da psicofonia, largamente conhecidos e utilizados na atualidade.
A manifestação dos mortos revelava, entre outras coisas, a existência da alma, a imortalidade e a comunicabilidade com aqueles que se julgava terem partido para sempre. Era toda uma realidade ignorada que vinha à tona.
Terceira fase – Entendimento.
Na França, sobretudo em Paris, a comunicação com os mortos se tornou moda, dando-se principalmente através das chamadas mesas-girantes, que passaram a ser o momento culminante das reuniões e saraus. Transformando-se num dos entretenimentos prediletos das elites parisienses, dificilmente alguém que vivera nessa época não tenha participado, ao menos uma vez, de uma sessão de mesas-girantes.
Foi no ano de 1854, contudo, que um respeitado intelectual e educador, o Sr. Hippolyte Léon Denizard Rivail, ouviu falar pela primeira vez nas tais mesas-girantes, vindo em seguida a presenciar o fenômeno. No que a maioria considerava um mero passatempo, o Sr. Rivail identificou a solução para os problemas da vida e da morte, da dor e do destino, da desigualdade e da injustiça..., solução esta que ele vinha procurando desde a sua infância. Era como se o véu que encobria antigos mistérios se rasgasse por completo diante dele.
O Sr. Rivail tornou-se uma assíduo frequentador de sessões de mesas-girantes, passando a observá-las e a pesquisá-las metodicamente. Participou de sessões com a Sra. Roger e com a Sra. Plainemaison, convencendo-se da autenticidade do fenômeno. Mas foi na casa da Família Baudin, onde duas meninas serviam de medianeiras, que teve a oportunidade de travar um contato direto e constante com os Espíritos. Preparava meticulosamente questões de cunho filosófico, sobre os temas mais diversos, que propunha aos Espíritos. Obtendo, deste modo, um grande número de respostas que ia colecionando e organizando de forma rigorosa. As perguntas e respostas por ele acumuladas assumiram a dimensão de um livro.
Numa das sessões que o Sr. Rivail participou, manifestou-se um dos seus guias espirituais, revelando que ele havia vivido no século I a.C., na Antiga Gália, sendo um sacerdote druida, chamado Allan Kardec. O Sr. Rivail, que possuía já várias publicações no campo pedagógico, resolveu adotar o pseudônimo Allan Kardec para publicar o livro decorrente de suas longas pesquisas e de seu estreito contato com o mundo espiritual. No dia 18 de abril de 1857 aparecia a primeira versão de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, marcando a gênese do Espiritismo.
O Sr. Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec, de 1854, quando teve seu primeiro contato com a fenomenologia mediúnica, até 1869, quando morreu, produziu uma extensa e monumental bibliografia, consolidando um novo sistema de pensamento que oferece ao homem a equação dos seus maiores problemas, lançando luz sobre as antigas preocupações filosóficas: de onde vim?, o que estou fazendo aui?, para onde vou?
O período que vai de 1854 até 1869 é para Emmanuel a fase do Entendimento, na qual Allan Kardec se destaca como o responsável pela codificação de uma nova doutrina, a Doutrina Espírita ou Espiritismo, cuja origem repousa nas comunicações mediúnicas e na sua análise, encerrando em si mesma uma verdadeira síntese do conhecimento humano, até hoje inigualável, que se destina a ampliar a compreensão do homem quanto à sua realidade existencial.
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